A
ARTE E A CIÊNCIA EXATA
Criar,
compor e desenvolver um trabalho na exata forma que reflita como
queremos nos apresentar como artistas é, com certeza, a parte mais
demorada e trabalhosa da idealização e produção de um novo álbum.
A gravação propriamente dita de todos os instrumentos não é menos
árdua e também demanda intensa dedicação, ainda mais em um
processo solitário, já que se trata de um álbum de guitarra
instrumental, sem a companhia dos colegas de banda. No entanto, ela
toma muito menos tempo do que a etapa criativa.
Nesta
vida digital moderna, em que temos a condição de criar uma maquete
do que virá a ser o álbum, ou seja, uma demo sofisticada que soa
praticamente finalizada – com todas as baterias programadas,
teclados, melodias e solos feitos no computador –, surge uma não
esperada dificuldade quando é chegada a hora crucial de registrar
definitivamente a obra: a insolúvel questão de como reproduzir o
momento tão especial da criação de uma arte, instante puramente
intuitivo do desenvolvimento de uma composição, que havia sido
registrada em forma de demo sem maiores pretensões técnicas,
somente com intenções artísticas.
Devido às perfeitas condições
de um bom estúdio, aparece a sensação de obrigatoriedade de que a
música deva ficar ainda melhor, como se a tecnologia pudesse se
sobrepor à criatividade. Essa etapa é curiosa, pois a demo, muitas
vezes, soa melhor que o próprio álbum, no sentido de transmitir
algo mais cativante, mais emocionante. Lembro-me dessa discussão ao
registrar Angels
Cry,
do Angra, primeiro álbum da minha carreira. Em meio às gravações,
nosso empresário ficou reticente por achar que a simples demo feita
no Brasil tinha mais alma do que os registros que fazíamos naquele
estúdio custoso, rodeado de tecnologia alemã de ponta.
As
condições caseiras e sem esmero carregam a magia da criação,
aquele momento de inspiração que aparece intermitentemente, nada
fácil de reproduzir a qualquer hora. Ela traz em si o dia, a semana,
o instante em que a energia estava totalmente focada na música, e
nem tanto na performance ou nas técnicas de gravação. No estúdio,
o dilema aparece: como reproduzir aquele momento incrível que fez
com que a composição surgisse, mas de uma forma que, ao mesmo
tempo, soe melhor, mais bem executado, mais limpo e claro, com total
cuidado com os timbres, instrumentos e todas as inúmeras
possibilidades que um estúdio profissional oferece. Talvez aí
esteja a pedra no caminho.
Quanto mais esmero e polimento, menos
sentimento e alma. Apesar dos anos de experiência e de já ter
gravado inúmeras vezes, encontrar o equilíbrio entre o polimento
artificial e o verdadeiro é sempre angustiante e muito difícil.
Diante das ferramentas digitais, fica fácil gravar de novo, corrigir
somente mais uma notinha, deixar este ou aquele bend perfeitamente
afinado, colocar no grid os atrasos ou afobações e assim por
diante. São
as imperfeições humanas que fazem com que a arte seja chamada de
arte, enquanto a engenharia de estúdio, que elimina essas
imperfeições, não passa de ciência exata.
16 de agosto de 2012
A ARTE E A CIÊNCIA EXATA
Por:
Kiko Loureiro
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12 de agosto de 2012
Persona Musical
PERSONA
MUSICAL
É
sempre difícil decidir a hora de gravar um novo álbum. Compor é
algo compulsivo, um exercício diário em que, na maioria das vezes,
com o instrumento em mãos, alguma ideia surge do nada. Não brota
com a perspectiva de ser fantástica, de ser inovadora nem nada, isso
é o que menos importa. Ela tem de representar uma sensação de
realização e ser naturalmente agradável para aquele instante, puro
deleite momentâneo. A questão é, com esse material em mãos, saber
colher, selecionar, apurar, garimpar entre as próprias criações
algo que represente a sua personalidade.
Um
álbum não pode ser feito com uma coleção de ideias esparsas,
nascidas aleatoriamente, coladas sem um conceito estabelecido. Um
disco deve representar como você quer ser visto, ouvido e apreciado,
representar o artista que deseja ser. Nem todas as ideias que
aparecem participam desse estado, pois nascem sem compromisso. As
criações devem fazer parte de um mesmo caminho sonoro, um mesmo
ideal musical, e ser uma busca interna constante em todo artista. Uma
viagem musical devidamente registrada em formato de álbum, que será
promovida e vendida, ou seja, dividida com outras pessoas, tem a
capacidade de trazer à tona as mais diversas dúvidas, receios e
porquês enquanto músico e identidade. Porém, ser um artista é
ser, por excelência, convencido o suficiente para acreditar que
existe público para a arte que deseja apresentar, é ter o ego
suficientemente inflado para perder a timidez natural do ser humano e
enfrentar um palco e, inclusive, achar que é importante o bastante
para mostrar ao mundo a sua arte.
Diferentemente
de uma banda ou um artista mainstream, que possuem seus sentimentos e
criações misturados com as obrigatoriedades do mercado fonográfico
e suas fórmulas, um álbum instrumental de guitarra não possui
limites ou barreiras. O propósito de um projeto solo é uma busca
egoísta, cuja única função, no processo embrionário das
composições, é a relação íntima com os próprios sentimentos.
Quando chegada a hora de partilhar as ideias com os outros músicos e
o produtor, as composições perdem essa função autocrática e
adquirem uma forma mais colaborativa até alcançarem a plena
condição democrática em que o público pode ouvir, comentar,
criticar, cantar e tocar suas ideias outrora tão íntimas e
descompromissadas.
Tendo
consciência de tudo isso, a melhor opção de formatar um álbum,
quando diante das prateleiras virtuais de arquivos e mais arquivos de
músicas completas, riffs e melodias fragmentadas, é escolher as
mais recentes e aquelas que ainda reflitam seus sentimentos e sua
visão musical do momento. Não me refiro a estética ou estilo, mas,
sim, a melodias, intervalos, tonalidades que consomem o cérebro
diariamente ao aparecerem repetitivamente em uma forma tão bela que
chega até a incomodar.
Saber
reconhecer esses sinais e deixá-los fluir é muito importante para
criar uma relação de você com você mesmo, de acreditar nos seus
sentimentos mais internos e, por consequência, acreditar na sua
música. Esses são os alicerces de sua persona musical e os arranjos
e produção vêm muito depois desse estágio.
Nós
carregamos música dentro de nós, que vem sendo selecionada de
acordo com essa persona desde o colo materno. Assim, os sons
sedimentados do passado com os do presente emergem e representam o
que somos. Estou começando a gravar meu novo álbum solo e vou
relatar as etapas nesta coluna. A primeira já foi: compor e criar os
arranjos para partilhar com o baterista Virgil Donati e o baixista
Felipe Andreoli.
Por:
Kiko Loureiro
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11 de agosto de 2012
Blog da Guitar Player de Março 2012
Tornou-se tradicional em meu blog falar sobre minha visita à NAMM, a convenção que rege o mercado de instrumentos musicais do mundo, realizada em Anaheim, na Califórnia, a cada início de ano. O sol, as palmeiras, as limousines, as festas e o glamour continuam os mesmos de sempre, sem perder a pose mesmo após anos consecutivos de crise.
São quatro dias de exposição, em que não há venda de ingressos – os convites são distribuídos apenas para quem está envolvido no ramo e tem alguma relação com os fabricantes que ali expõem. É divertido conhecer e conversar com pessoas que trazem em seus sobrenomes as marcas que tanto cultuamos e desejamos, apertar a mão de músicos que nos influenciaram no passado e conferir em première os produtos que irão se espalhar pelas lojas do mundo ao longo do ano. Esse contato humaniza a fantasia, mas, ao mesmo tempo, faz com que reverenciemos as conquistas tecnológicas e ideias brilhantes dessas empresas, que criam nossas fantásticas ferramentas de trabalho.
Logo cedo, cursos e palestras iniciam a festa, enquanto empresários das mais diversas etnias e artistas com cara de que acordaram fora de hora enfileiram-se com suas identificações nas portas de entrada. Minha função em 2012 foi apenas estar presente nas mesas de autógrafos das marcas que me patrocinam, como Laney, D’Addario e Zoom. Além disso, houve reuniões e conversas com músicos, engenheiros e gerentes de marketing.
Tudo muito rápido, pois o lema “tempo é dinheiro” impera por lá.Diferentemente da Expomusic, realizada no Brasil, a NAMM fecha as portas ao cair da tarde e, a partir daí, apresentações para lá de especiais tomam conta dos salões nos hotéis das imediações. Pude presenciar três Steves juntos, no mesmo palco: Vai, Lukather e Morse, ao lado de Paul Gilbert, tocando covers e se divertindo em uma jam incrível. Em outra festa, Steve Wonder e sua banda homenagearam James Jamerson em um show para lá de intimista. São tantas possibilidades de eventos e shows que fica difícil se decidir para onde ir.A profusão de ideias que são apresentadas nesses quatro dias é exuberante. Além das novidades nos produtos, a preocupação da convenção em manter a troca aberta de conhecimento chama a atenção, o que nós, aqui no hemisfério sul das Américas, deveríamos usar como exemplo.Pude participar de palestras revigorantes sobre os mais diversos temas: renomados produtores musicais e suas experiências com grandes artistas, discussões de como utilizar as novas ferramentas de marketing de internet e uma bastante interessante, sobre como um músico deve pensar com cabeça de CEO. São mais de cinco auditórios com palestras ininterruptas ao longo do dia.A importância dada ao conhecimento já é uma aula por si só. Creio que isso é o que forja o alicerce dessa economia, a qual, mesmo ainda febril, é tão poderosa que dita as regras para o mundo.Educação, cultura e sabedoria em um ambiente de puro negócio, competição, segredos industriais, patentes e concorrência árdua. Isso comprova que não existe efeito sem esforço e sem estudo, que não há poesia sem prosa e que, para a formação de uma sólida carreira ou um grande negócio, é necessário observar o mundo ao redor e seus diversos aspectos. Pensar diferente para criar diferente.
São essas trocas de conhecimentos que fornecerão as ferramentas para um avanço. Explorar, desenvolver e dividir as experiências é o lema ali proposto. Não há melhor forma de entender as rápidas mudanças no mundo do que ouvir quem está no topo dessa cadeia – já dizem os sobrinhos do Tio Sam. Nós chegaremos lá. Basta derramar suor sobre os livros ou, talvez, sobre as cordas – ou melhor, sobre os dois...
Por:
Kiko Loureiro
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