PERSONA
MUSICAL
É
sempre difícil decidir a hora de gravar um novo álbum. Compor é
algo compulsivo, um exercício diário em que, na maioria das vezes,
com o instrumento em mãos, alguma ideia surge do nada. Não brota
com a perspectiva de ser fantástica, de ser inovadora nem nada, isso
é o que menos importa. Ela tem de representar uma sensação de
realização e ser naturalmente agradável para aquele instante, puro
deleite momentâneo. A questão é, com esse material em mãos, saber
colher, selecionar, apurar, garimpar entre as próprias criações
algo que represente a sua personalidade.
Um
álbum não pode ser feito com uma coleção de ideias esparsas,
nascidas aleatoriamente, coladas sem um conceito estabelecido. Um
disco deve representar como você quer ser visto, ouvido e apreciado,
representar o artista que deseja ser. Nem todas as ideias que
aparecem participam desse estado, pois nascem sem compromisso. As
criações devem fazer parte de um mesmo caminho sonoro, um mesmo
ideal musical, e ser uma busca interna constante em todo artista. Uma
viagem musical devidamente registrada em formato de álbum, que será
promovida e vendida, ou seja, dividida com outras pessoas, tem a
capacidade de trazer à tona as mais diversas dúvidas, receios e
porquês enquanto músico e identidade. Porém, ser um artista é
ser, por excelência, convencido o suficiente para acreditar que
existe público para a arte que deseja apresentar, é ter o ego
suficientemente inflado para perder a timidez natural do ser humano e
enfrentar um palco e, inclusive, achar que é importante o bastante
para mostrar ao mundo a sua arte.
Diferentemente
de uma banda ou um artista mainstream, que possuem seus sentimentos e
criações misturados com as obrigatoriedades do mercado fonográfico
e suas fórmulas, um álbum instrumental de guitarra não possui
limites ou barreiras. O propósito de um projeto solo é uma busca
egoísta, cuja única função, no processo embrionário das
composições, é a relação íntima com os próprios sentimentos.
Quando chegada a hora de partilhar as ideias com os outros músicos e
o produtor, as composições perdem essa função autocrática e
adquirem uma forma mais colaborativa até alcançarem a plena
condição democrática em que o público pode ouvir, comentar,
criticar, cantar e tocar suas ideias outrora tão íntimas e
descompromissadas.
Tendo
consciência de tudo isso, a melhor opção de formatar um álbum,
quando diante das prateleiras virtuais de arquivos e mais arquivos de
músicas completas, riffs e melodias fragmentadas, é escolher as
mais recentes e aquelas que ainda reflitam seus sentimentos e sua
visão musical do momento. Não me refiro a estética ou estilo, mas,
sim, a melodias, intervalos, tonalidades que consomem o cérebro
diariamente ao aparecerem repetitivamente em uma forma tão bela que
chega até a incomodar.
Saber
reconhecer esses sinais e deixá-los fluir é muito importante para
criar uma relação de você com você mesmo, de acreditar nos seus
sentimentos mais internos e, por consequência, acreditar na sua
música. Esses são os alicerces de sua persona musical e os arranjos
e produção vêm muito depois desse estágio.
Nós
carregamos música dentro de nós, que vem sendo selecionada de
acordo com essa persona desde o colo materno. Assim, os sons
sedimentados do passado com os do presente emergem e representam o
que somos. Estou começando a gravar meu novo álbum solo e vou
relatar as etapas nesta coluna. A primeira já foi: compor e criar os
arranjos para partilhar com o baterista Virgil Donati e o baixista
Felipe Andreoli.
12 de agosto de 2012
Persona Musical
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3 comentários:
Gostei muito do texto, comigo acontece algo parecido quando desenho. Mostrar ao mundo requer coragem, vencer a timidez acho que é a parte mais complicada. Vocês escreve muito bem, Kiko Loureiro, além de ser um músico incrível, demonstra ter um nível cultural e uma percepção muito intensa do mundo. Ainda não ouvi o álbum novo, pretendo pegá-lo na Expomusic 2012. Bom, é isso. Se tiver paciência e quiser ver alguns desenhos meus, digite Rock Me ON no Google. Em um de meus posts falei do show do Angra em Suzano, no ano passado. Senti sua falta por lá, viu? Marcelo Barbosa toca muito, mas todos esperam ver o Kiko em ação! Bjs, Priss Guerrero
Gracias Kiko, ayer en Montevideo esperaba que alguien preguntara sobre lo que comentas aca, ya tengo mis respuestas :D
un placer conocerte ;)
Gracias Kiko, ayer en la clinica en Montevideo me hubiera gustado que alguien preguntara sobre algunos detalles de los que comentas aqui en tu blog; asi que bueno mis preguntas ya estaban contestadas y solo me hacia falta leerlas :D
fue un placer conocerte, saludos desde Montevideo.-
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